As mamas são fontes de sensualidade, beleza, e também maternidade (na produção de leite). Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, o câncer de mama é uma das doenças que mais causa morte entre as mulheres. A boa notícia é que na gestação as estatísticas são menores. A patologia acomete uma em cada três mil grávidas.
Considera-se que câncer de mama associado à gravidez são aqueles diagnosticados durante a gestação ou até um ano após o parto. Mesmo sendo assustador, quando detectado, o tratamento deve ser feito de imediato para preservar a saúde da mãe e do bebê. Mas, é importante salientar que há limites que devem ser respeitados devido às debilidades da fase gestacional, discutidas por especialistas, de acordo com as características da paciente: tamanho do tumor, idade gestacional, sintomas e condições clínicas.
Com a ajuda da medicina e o apoio da tecnologia é possível mudar o prognóstico e a sobrevida da doença. Ainda assim, os exames preventivos feitos periodicamente não são dispensáveis, principalmente durante o pré-natal, incluindo a mamografia ou a ultra-sonografia de mama.
Entre tantas informações uma dúvida comum sobre o assunto é: e depois, como fica a amamentação? Segundo especialistas, a lactação, ou seja, o tão importante aleitamento materno pode ser realizado normalmente, a não ser nos casos de impossibilidade física ou em vigência de tratamento como quimioterapia e/ou radioterapia.
Para desmistificar esse tema de grande importância a Sempre Materna conversou com o Assistente do Setor de Mastologia do Hospital Pérola Byington, Coordenador da Residência Médica do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, Guilherme Negrão de Souza. Acompanhe:
Em tempos tão modernos é comum câncer durante a gravidez?
Por definição, todos os carcinomas diagnosticados nessa fase e até um ano após seu término podem ser classificados como tumores de mama, ou seja, câncer de mama associado à gravidez (na gestação ou lactação).
Qual a ocorrência da doença associada à gestação? Há estudos e números que
possamos utilizar?
O diagnóstico de câncer de mama e gravidez ocorre na faixa etária entre 32 a 38 anos; a incidência registrada é de 1/3000 gravidezes. Contudo, este percentual é maior se considerarmos o diagnóstico precoce e a fase pré-clínica com duração de diversos anos.
Normalmente as pacientes descobrem a doença durante os exames do pré-natal?
O diagnóstico precoce é fundamental para estabelecer a melhor terapêutica oncológica. Porém o percentual de mamas examinadas por médicos ou enfermeiras durante o pré-natal, como o autoexame, são muito baixos, inclusive no período pós-concepção, tanto pela resistência quanto pelo desconhecimento para este tipo de detecção. Apesar do diagnóstico na gravidez, não diminui a mortalidade por câncer de mama, mas cai a incidência de tumores localmente avançados.
Sabendo-se que a gravidez é impeditivo para várias medicações, como fica o tratamento da patologia do câncer?
A opção terapêutica na gravidez depende de alguns fatores como tipo e tamanho do tumor, idade gestacional, sintomas e condições clínicas da paciente. Após estadiamento clínico da doença direciona-se o tratamento. A mastectomia radical modificada está indicada no primeiro trimestre para postergar a radioterapia, reservando-se a cirurgia conservadora no segundo e terceiro trimestres. Contudo, o tratamento cirúrgico e adjuvante (aplicação de quimioterapia, terapia hormonal ou radioterapia, após a remoção cirúrgica de um tumor) deve ser iniciado rapidamente, onde deve-se discutir o aborto terapêutico, pois a sobrevida em cinco anos é de 10-40%.
Há casos em que é necessário interromper a gestação?
Apesar de não ser mais necessário indicar o aborto terapêutico de rotina para interromper o estímulo hormonal da gestação, ainda é aconselhado e praticado em casos selecionados como, por exemplo, tumores localmente avançados que indiquem terapêutica adjuvante de imediato ou cirurgias conservadoras no primeiro trimestre, onde a radioterapia é obrigatória e não deve ser postergada no período pós-natal.
A quimioterapia e radioterapia oferecem riscos à saúde fetal? E à gestante?
A literatura indica quimioterapia após a 15ª semana de gestação, após a formação do embrião e enquanto ele se desenvolve; a última sessão de quimioterapia deve preceder quatro a seis semanas do parto para que não haja resíduo quimioterápico na circulação fetal. A radioterapia é contra-indicada na gravidez em qualquer trimestre pela elevada dose de radiação.
Há um consenso sobre a fase ideal para aplicação da quimioterapia durante a gravidez?
A quimioterapia não deve ser utilizada no primeiro trimestre pelo risco de malformação fetal em torno de 15%. Pode ser ministrada no segundo e terceiro trimestres, porém existem relatos de maior incidência de trabalho de parto prematuro, óbito fetal e baixo peso ao nascimento. Estudos retrospectivos demonstram sua segurança em curto prazo, porém não se conhece efeitos em longo prazo.
É fato que o câncer de mama concomitante à gravidez tem aumentado no Brasil e no mundo?
O avanço nos estudos, como o uso da ressonância nuclear magnética em pacientes de risco para câncer de mama, além de procedimentos minimamente invasivos para diagnóstico de lesões iniciais aumentam o diagnóstico e a terapêutica precoce, o que pode mudar o prognóstico e a sobrevida da doença.
A gravidez ajuda ou atrapalha no diagnóstico de câncer?
A gravidez proporciona dificuldades relativas para o diagnóstico da doença por modificações na sensibilidade mamária, aumento do tamanho, volume e vascularização da glândula, além do ingurgitamento mamário no terceiro trimestre e na fase de lactação. Nos métodos diagnósticos, o aumento da densidade radiológica e a dificuldade de detecção de pequenos tumores pode retardar o diagnóstico em aproximadamente 15 meses. A ultrassonografia é o método de escolha na gravidez, pois auxilia no diagnóstico e nos métodos invasivos guiados como biópsias, além de ser eficaz na análise axilar.
A doença tratada durante a gestação oferece quais riscos ao bebê?
Caso haja indicação imediata de radioterapia há risco de malformações no primeiro trimestre como microcefalia; doses de radiação maiores de 100 Gy acarretam malformações fetais em 100% dos casos.
Caso o câncer de mama seja descoberto durante a gravidez, quais medidas devem ser tomadas?
O responsável pelo pré-natal deve encaminhar a paciente imediatamente ao centro de referência para programação terapêutica.
O que muda no pré-natal?
As consultas de pré-natal devem ser realizadas com intervalos mais curtos e o rastreamento de infecções genito-urinárias repetidos com maior frequência pela diminuição do sistema imunológico causado pela doença e pelo maior risco infeccioso grave por retardo no diagnóstico, culminando em possível trabalho de parto prematuro e ruptura prematura das membranas ovulares.
O parto pode sofrer consequências?
O tratamento do câncer de mama associado à gravidez deve ser semelhante ao da mulher não grávida. Não se demonstrou modificação na sobrevida fetal e aumento das intercorrências obstétricas e clínicas maternas. Portanto, a conduta sobre via de parto é obstétrica.
E após o parto como fica a conduta médica em relação à mãe e ao bebê? Os cuidados são diferenciados?
A mãe deve ser acompanhada por equipe especializada (mastologista, oncologista clínico e radioterapeuta), seguindo o protocolo de seguimento oncológico. Com relação a criança, a vigilância clínico-imagenológica é realizada com o auto-exame a partir dos 18 anos e a partir dos 25 anos ou 10 anos antes da idade do diagnóstico da mãe.
Pelo menos 60% dos casos de cânceres de mama hereditários apresentam mutações. Portanto, discute-se individualmente, nos casos hereditários, a cirurgia redutora de risco e quimioprevencão primária.
Qual a probabilidade dessa criança vir a desenvolver câncer no futuro? Há alguma relação?
Ainda não foi demonstrada transferência de células neoplásicas (problemáticas) para os tecidos fetais em gestantes com câncer de mama, porém existem relatos de metástases (espalhamento) para a placenta sem sinais de repercussão fetal. No entanto, são descritos implantação de células cancerígenas no feto de pacientes com outros tumores como melanoma, linfomas, leucemias e hepatocarcinomas.
É possível amamentar após a cura do câncer de mama? Há restrições no aleitamento materno?
Não há evidência para que não se amamente na mama não afetada. A possibilidade de amamentação após tratamento oncológico está condicionada ao procedimento cirúrgico efetuado na mama acometida, pois a ressecção dos ductos mamários ou lesão grave em terminações nervosas mamilares por fibrose pós-radioterapia são indicativos de inibição da lactação pelo defeito anatômico, apesar de não melhorar o prognóstico materno. Além disso, está contra-indicada em vigência de tratamento adjuvante com quimioterapia e/ou radioterapia.
Olhando por outro prisma, quanto mais a mulher amamenta mais ela é protegida contra o câncer de mama? Por quê?
A amamentação apresenta proteção limitada para o câncer de mama, principalmente na pré-menopausa, porém deve ser sempre estimulado, pois há relatos na literatura de menor incidência do problema na pós-menopausa com aleitamento prolongado.
A mulher pode engravidar depois da cura do câncer de mama? Quanto tempo depois é indicado?
O mastologista deve orientar corretamente a paciente sobre a gravidade da doença, pareando-se idade, estado clínico, presença de mutação, como prognóstico desfavorável para nova gestação. Não há efeito da gravidez no intervalo livre de doença após tratamento por câncer de mama. Além disso, existem outros problemas ligados à doença de base como maior risco de infertilidade após tratamento quimioterápico e gravidez após tratamento cirúrgico com cirurgias reconstrutivas abdominais.
A recuperação pode ser mais eficaz e rápida devido ao aleitamento materno? Explique.
Não existem dados na literatura para afirmar benefícios no prognóstico das pacientes com câncer com a prática de aleitamento, somente vantagens ao lactente a respeito de menor incidência de mortalidade infantil, desnutrição, quadros alérgicos com repercussões respiratórias e intestinais, e melhor desenvolvimento social e neuropsicomotor.
Pode influenciar na qualidade e quantidade (produção de leite), tratando-se da mama afetada?
A mama afetada não interfere na qualidade do leite, porém a quantidade de produção láctea está condicionada ao grau de acometimento anatômico e radioterápico.
Os polivitamínicos podem ajudar na prevenção dessa doença?
Na dieta de pacientes com câncer de mama recomenda-se alto teor em gordura poliinsaturada e pobre em produtos que tenham gordura saturada, como também rico em fibras e alimentos que contenham vitaminas C e D. A suplementação de polivitamínicos no pré-natal visa a formação e desenvolvimento do feto adequadas e trata as anemias nutricionais específicas e as causadas pela carência de ferro e ácido fólico.